sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Mestre Francisco Costa Gomes - O artista do ferro

"É em Chança que se encontra talvez o último ferreiro de todo o Alto Alentejo.
Mestre à antiga, das suas mãos o que sai é arte.
«Sou um ferreiro artesão» e, quem o diz é Francisco Caldeira da Costa Gomes, 63 anos, que tem oficina que vem do pai no centro da localidade, no nº. 81 do Largo Barreto Caldeira e, é ali que todos os dias cumpre a sua missão de dar vida nova ao ferro, lamentando que «hoje não há quem queira aprender esta arte». «Estes machados são para Castelo Branco», diz-nos enquanto continua as peças que confecciona à antiga. São machados de tirar cortiça e há-os parecidos nas lojas, «mas depois partem-se», enquanto estes duram uma vida de trabalho.
«Comecei a trabalhar com 12 anos, e nisto ou se começa cedo ou não se aprende». É ávida quem o ensina, pois não é com 16 ou 18 anos que se começa a aprender uma arte que leva tantos anos a dominar, repleta de segredos de tempos longínquos, que os segredos da têmpera só ensinam a um filho ou a um aprendiz que dê garantia de continuidade.
Aliás, o segredo mesmo está na têmpera e na rapidez com que é preciso trabalhar o ferro quando atinge uma determinada cor.
É verdade que hoje o trabalho escasseia, mas «dá para viver com economia».
«Ainda trabalhei 10 anos no Pereiro (uma herdade)» e também «dois anos na Metalurgia (do Crato), «trabalhei como serralheiro» mas «regressei» para a oficina, porque «esta é a arte do meu coração».
Mestre Francisco Costa Gomes nasceu para esta arte que aprendeu com o pai. E aponta os martelos de vários pesos e dimensões, próprios para cada idade, para mostrar que sendo este um trabalho que se pode considerar pesado, as tarefas são adequadas às condições de cada aprendiz. O que é pena é que não haja quem pudesse vir a ser um bom ferreiro porque as leis não deixam que um jovem possa aprender em tempo oportuno esta como outras artes, confundindo-se isso com exploração infantil.
Hoje um dos problemas do mestre ferreiro «é que já vão escasseando os matérias», é difícil arranjar por exemplo carvão de pedra, que vinha das minas, que era calibrado e que agora não há, e «até os aços já não têm as mesmas medidas».
«O aço vinha da Suécia e agora remedeio-me com alguns restos que por aí há».
Para se trabalhar, o aço tem de ser batido e temperado, e a têmpera – diferente para cada tipo de utilização – é dada com um produto feito à base de sebo de borrego com azeite que faz arrefecer o ferro quando este apresenta uma dada coloração – castanho palha, rosa, azul em vários tons, amarelo… - em função da temperatura que atinge. «E cada aço quer a sua têmpera», diz quem sabe.
São acções de segundos, que exigem muito conhecimento, treino e rapidez, e que «dantes até eram feitas só à porta fechada, para ninguém ver».
Na oficina de Mestre Francisco o chão continua a ser de terra e o cepo em que assenta a bigorna tem mais de 70 anos. Ali se faz tudo o que é possível fazer em ferro, de martelos de calceteiro a ferraduras – que as feitas à máquina não duram nem metade.
«Sou do tempo que não havia soldadura e as peças faziam-se todas inteiriças». «Caldeava-se o ferro», num processo que se «vê pela cor do lume» e depois de pronto «limpava-se com areia».
Cada ferreiro tem a sua marca e Mestre Francisco utiliza «duas estrelas e um i, que já era a marca do meu pai». «Há alturas em que não há serviço» e «vou aproveitando o tempo para fazer uma peça de cada» que se lembra, desde coleiras para proteger os cães dos lobos até machas de todos os feitios, passando por tantas outras peças, que «o meu desejo era fazer um museu».
Por isso está também a recuperar o velho fole, depois, «quando eu morrer, quem ficar que faça disto o que quiser».
A arte já o marcou na carne. «Não vejo de uma vista, porque me saltou um bocado de aço», mas esta é a arte exigente que ama.
«Sou um ferreiro e dizem que sou industrial, pelo menos assim consta nas contribuições.
Mestre Francisco faz tudo o que em ferro é possível fazer, mas o filho não lhe seguiu a arte, como ele seguiu a do pai.
O tempo é outro e está a perder-se, a uma velocidade vertiginosa, valores e até técnicas, como esta de ferreiro, com milhares de anos de conhecimento.
Nem que seja só para apreciar o que Francisco Costa Gomes tem em exposição na sua oficina, e que tanto ensina sobre a ruralidade dos últimos séculos, vale a pena visitar a Chança."
(Texto integralmente trascrito da edição de Janeiro do jornal "Mensageiro de Alter")

1 comentário:

grace disse...

É pena certas profissões que eram de prestígios há uns anos atrás se começem agora a perder na evolução. Principalmente para pessoas como o Mestre Francisco que tanto empenho deu à sua arte!